quarta-feira, 30 de abril de 2008

Quem disse que ia ser fácil?

A falta de comunicação com o lado de lá (para vocês, o lado daí), está me angustiando.



Sinto vontade de dividir tudo: cada esquina, cada pessoa na rua, cada novo amigo, cada conversa, cada olhar, cada dificuldade. E quanta dificuldade!



Estou feliz, me sinto completamente ambientada na cidade - e não mais aquele "monte de nada" -, sinto as coisas caminhando e fluindo, de forma extremamente lenta, mas na direção certa.



Sinto paz em seguir uma rotina que está começando a se desenhar e que, mesmo sendo rotina, não deixa de ser nova a cada dia. Continuo sem aquela sensação de euforia que eu sempre idealizei quando me via nesta situação, mas agora penso que esse equilíbrio é o que vale mais, que é o caminho do meio que vai me levar mais longe. Calma, paciência, e coração aberto pra encontrar a felicidade nas coisas simples. E assim têm sido.



A casa



Meu quarto, minha caixinha de sapato particular, meu mundinho azul. Tão pequeno, e tão aconchegante. Me sinto bem lá. E me sinto aquecida! Quanta diferença! Durmo bem, os sonhos malucos com todas as pessoas que eu convivo ou convivi há anos no Brasil pararam por completo, a insônia também. Thanks God. Se existe algo que me dá verdadeiro desespero nessa vida é querer e não conseguir dormir. Essa fase, parece, passou.



Os meninos são demais. São alegres. São queridos. São engraçados. São generosos. São gentis. São homens, claro. Gritam assitindo futebol, tentam me enganar dizendo que as meninas que eu vejo passando eventualmente no corredor são suas irmãs, não são tão caprichosos quanto a casa arrumadinha do começo demonstrou. Mas me respeitam. Me fazem rir. Têm paciência comigo. Cozinham bem. Me ajudam. Se preocupam comigo, um em especial. Ganhei ótimos companheiros de casa, e ganhei um grande amigo. Faisal, o árabe. Cara de árabe (sem tirar, nem pôr), algumas idéias radicais inerentes à sua cultura e religião, uma boa dose de machismo (ao criar a principal regra de que não é permitido nenhum homem na casa, com exceção dos moradores. Mulheres, porém, têm carta branca para ir e vir). Mas, acima de tudo, um coração enorme. Dá os melhores conselhos, não me deixa pegar trezentos trabalhos ao mesmo tempo pra eu não morrer de cansaço, aguenta o meu inglês tosco horas a fio todas as noites, me deixa assistir filmes no quarto dele e comer metade da bacia de chocolates que têm lá, faz um pratinho de hommus e pão sírio todas as noites pra eu comer no jantar, me empresta o varal (cada um tem o seu, menos eu) pra eu pendurar as minhas roupas molhadas quando ele mais precisa lavar as dele para ir viajar no final de semana, perde horas preciosas de sono pra responder às minhas perguntas sobre a cultura árabe, o casamento com mais de uma mulher, o não poder beber álcool e tudo mais.



Viver aqui, mesmo que não se faça nada de extraordinário, é aprender. É se surpreender. Parênteses: outro dia, numa mesa de pub com brasileiros, turcos, bolivianos, colombianos, cazaquistaneses (ou cazaquis... ai, não lembro!), coreanos, libaneses e afins, chegamos à conclusão de que jamais se deve fazer gestos, ainda que positivos, pra qualquer pessoa quando se está em outro país. O que pra um significava um jóia, era um belíssimo fuck you pra outros. Na Inglaterra, por exemplo, nunca peça 2 cervejas num bar mostrando os dois dedos porque o barman não está te ouvindo bem. Da mesma forma, ainda que a sua intenção seja dizer algo como "estou em paz" e mostrar os tais dois dedinhos, pronto. Você acaba de ofender profundamente o inglesão. Por causa de algo interessantíssimo referente à Guerra dos Britânicos contra os Franceses, esse gesto significa o mesmo que um sonoro fuck you (again), e realmente é capaz de ofender quem quer que seja. Pô, ainda bem que me avisaram, como eu ia saber? Fim do parênteses.



Voltando aos meninos, com exceção do árabe, o contato com os demais é sempre na hora do dinner (cada dia é um morador o responsável por comprar e fazer a comida, e depois lavar a louça). Pouco tempo, mas o suficiente pra notar que um é o tímido (se não está calado, está morrendo de rir), o outro é o easy-going (quando não está no quarto ouvindo reggaes africanos, está na cozinha pegando alguma coisa pra comer, com os olhos pequenininhos e um sorrisão estampado no rosto) e o outro é o engraçadão, namoradeiro e conversador. Adoro todos. Mas quando eles se empolgam muito nas conversas (geralmente piadas masculinas que se repetem em todos os homens de todas as nacionalidades, e sempre sem a menor graça para o gênero oposto), perco totalmente a capacidade de compreender tamanha mistura de sotaques (fortíssimos) e gírias. Mesmo assim, fico ali olhando, rindo sem saber muito bem porquê, achando tudo aquilo muito, muito gostoso.



A casa, enfim, é alegre. E isso faz toda a diferença.





O(s) Trabalho(s)



De job fixo mesmo, por enquanto só o Cassino. Aos que perderam o rumo da história, atenção: ser cleaner de um cassino não te dá a menor possibilidade de entender o que quer que seja sobre jogatina, e muito menos ver a cor daquela dinheirama toda. Ser cleaner na Inglaterra é ser praticamente nada, e eu não estou sendo dramática (não tanto, vai).



No começo achei tranqüilo, são só 3 horas por dia, das oito às 11 da manhã, e divido o trabalho com mais duas meninas, brasileiras as well. Um belo dia, no entanto, elas resolveram que cada uma ficaria com uma área fixa para limpar, ou seja, todos os dias, repetidamente, cada uma só faria a sua parte, e pronto. Parece bom, porque você vai se acostumar com as coisas, pegar prática, começar a otimizar o tempo, e tal. Mas é claro que a BIXETE aqui ficou com a pior parte, né. A mais demorada, a que tem que deixar todas as máquinas de jogo brilhando, a que tem que sair lá na frente, independente do frio que esteja, e recolher os cigarros do chão e do cinzeiro (que sempre trava, você faz força pra desemperrar e, de repente, o negócio sai voando e você toma uma delicioso e perfumado banho de cinzas). Isso sem falar nos banheiros principais do cassino, ou seja, os mais utilizados. Ai, que saudade de ficar sentada 8 horas na frente do computador na minha amada (e não menos perfumada) Berrini...



Logo no primeiro dia, toda contente e munida do meu super-hoover (aspirador de pó), o gerente já me chamou e disse: "querida, você não precisa limpar TANTO assim, só onde dá pra ver". Sim, o ditado "pra inglês ver" é o mais adequado que existe. Ingleses não sabem fazer limpeza. Mais: não fazem muita questão. Inglês come mal, toma pouco banho MESMO, e não liga de viver em lugares não muito limpos (pra não pegar pesado). Não gosto dessa coisa de generalizar, mas a cada dia que passa vejo que esta é uma verdade irrefutável. Ah, sim: TODO inglês TÊM que fazer um comentário sobre o clima. Todos os dias, incansavelmente. Seja alguém puxando papo pela primeira vez, seja a pessoa que você vê todos os dias, necessariamente, em algum momento da conversa, ela vai lançar um "acho que vai chover de novo", "tempo bom, hein?" ou, ainda, "aproveite o sunny day hoje porque já vi que vai chover o final de semana todo". Meu sorriso já está ficando amarelo, porque nem tenho mais o que responder pra esse tipo de coisa. Mas rio por dentro, de certa forma, por não encontrar exceções à regra.



Voltando: eu estava começando a me sentir uma fraca e fresca por estar achando horrível o trabalho, por ter vontade de vomitar todas as vezes que eu limpo um vaso sanitário, por querer chorar ao ser ignorada até pelas recepcionistas (porque elas acham que são muuuuuuuuuuuuuito melhores que você), por ficar com dor no corpo de tanto carregar balde e hoover pra cima e pra baixo, por ficar com a mão completamente destruída de alergia até do talco das luvas que você usa pra trabalhar. Entrei no conflito de não saber até que ponto eu devo agüentar, ou se devo mesmo acreditar mais no meu potencial e procurar um trabalho melhor.



Os dias foram passando, eu fui escutando mais e mais elogios ao meu inglês (que é horrível, mas comparado ao das milhares de brasileiras que estão aqui há meses ou anos e AINDA não conseguem se comunicar, até que tá bom), me irritando cada vez mais com o trabalho e especialmente com a minha dificuldade de limpar as coisas correndo (nunca consigo terminar tudo na hora, mas é por perfeccionismo, não por lerdeza), e resolvi dar um passo pra sair da situação de desconforto.



Passei tardes pegando applicantion forms em lojas, restaurantes, lanchonetes. Não há nada mais chato no mundo do que preencher essas fichas, ainda mais aqui, que os caras perguntam até as notas que você tirou no colegial. Mas fui pegando todos, perguntando de porta em porta se tinha alguma vaga dispon;ivel, até que, na minha rua, entrei num restaurante italiano, já desesperada com a falta de dinheiro.



Parênteses again: Eu tinha me prevenido com um certo dinheirinho pra trazer, mas paguei 1 mês de aluguel, mais um depósito de duas semanas - que eles só devolvem quando você sair -, e mais 6 meses de escola. Me deu um estalo de que se eu não começasse a estudar imediatamente, iria perder o foco, entrar na paranóia delirante de trabalhar o tempo todo pra juuntar dinheiro, e aí dei uma pesquisada e me matriculei logo na escola da qual eu recebi as melhores referências. Doeu no bolso, mas foi um alívio pro meu coraçãozinho que andava há tanto tempo cheio de frustrações e medos. Foi um presente de aniversário que eu resolvi me dar, e fiquei muito feliz. O resultado, porém, foi um pouquinho dramático: não tinha mais dinheiro nem pra comprar os livros, nem pra fazer supermercado, pegar ônibus e tudo mais. Mas quem já viveu anos em república, trampando na balada pra pagar o aluguel e, não se abala com esse tipo de perrengue.

Fim do parênteses e do post, porque tive que interromper os devaneios ontem pra ir embora, e agora perdi o fio da meada. Tô sensível hoje (não confundam isso com tristeza) e com vontade de chorar, de andar lá fora, de olhar o meu novo mundo, não de escrever. Tô muito cansada também, e talvez a falta de sono seja a responsável por esse estado esquisito de aperto no peito que eu fiquei de repente...

Amanhã eu volto, e a mil pra contar o monte de coisas simples, mas maravilhosamente simples, que têm cruzado meu caminho, dia após dia.

Um comentário:

Anônimo disse...

vc pode estar achando ruim viver num estilo de vida que não lhe pertence, mas vejo nos teus post q vc sabe q essa vida de lavar banheiros não é sua, e então vc passa por essa situação escreve pra gente e ri muito depois.. continue correndo atras de algo melhor e se permita viver essas vidas tão diferentes.. olhe por quanta coisa vc passou, e saiba o tesouro q vc tem aqui.. saiba sempre quem vc é.. e assim vc tira de letra tudo q rolar por ai.. bjs